Benedito Antonio Luciano *
No disco “Descendo o morro”, Volume 4, lançado em 1961 pelo saudoso sambista Roberto Silva, há um samba-crônica intitulado “Jornal da morte”, de autoria do compositor Miguel Gustavo. Na letra dessa música é apresentada uma referência explicita à linha editorial de certos jornais populares nos quais eram destacados os dramas urbanos, dentre eles suicídios ou assassinatos.
Seguem os versos da música supracitada: Vejam só este jornal/É o maior hospital/ Porta-voz do bang-bang/ E da polícia central// Tresloucada, semi-nua, jogou-se do oitavo andar/ Porque o noivo não comprava maconha pra ela fumar// Um escândalo amoroso com os retratos do casal/ O bicheiro assassinado em decúbito dorsal/ Cada página é um grito/ Um homem caiu no mangue/ Só falta alguém espremer o jornal/ Pra sair sangue, sangue, sangue, sangue, sangue, sangue,.../.
Transcorridos cinquenta e oito anos, parece que essa linha editorial voltada para violências das mais variadas formas se expandiu das páginas dos jornais impressos para outros veículos de comunicação, como rádio, TV e mídias digitais.
Nos dias atuais, é comum o telespectador brasileiro identificar, logo nas manchetes dos telejornais, chamadas para matérias que abordam catástrofes e violências, de forma direta ou subliminar.
Sob a alegação que esse tipo de matéria desperta o interesse e aumenta a audiência, todos os dias, os editores apresentam aos leitores, ouvintes e telespectadores um cardápio indigesto e mórbido aos que se dispõem a consumir tal conteúdo.
Então, isto me fez lembrar uma fala de Ariano Suassuna ao comentar o porquê de tanta música de péssima qualidade ser executada nas programações diárias das rádios e em programas de televisão.
Segundo ele, o compositor pernambucano Capiba ficava indignado quando ouvia alguém dizer que cachorro só gosta de osso. Cachorro gosta é de comida.
- Se dão osso ao cachorro, ele come com avidez. Bote um filé e bote um osso para ver o que o cachorro escolhe!
A mesma coisa acontece com a notícia, com arte em geral e com a música, em particular. O gosto do público é induzido por uma excessiva exposição ao produto que se quer vender. É como oferecer sistematicamente o osso ao cachorro. Ofereça filé!
Em 22 de setembro de 2019, numa entrevista concedida a um famoso jornal brasileiro, o cantor e compositor Milton Nascimento fez duras críticas à qualidade da música atualmente divulgada pela mídia no Brasil.
Para ele, a música brasileira está uma porcaria: “O pessoal ao invés de cantar sobre a amizade, só sabe falar de bebida e traição, sempre traição”. Alguns não gostaram da sinceridade do grande artista, pois entre o filé e o osso, preferem continuar roendo osso.
No tocante ao noticiário político e econômico, também estamos submetidos a uma pauta indigesta. O alinhamento ideológico que permeia a pauta da grande rede internacional, geradora de notícias, está direcionado para atingir determinados propósitos, alguns travestidos de preocupações nobres e elevadas como a sustentabilidade ambiental, os direitos humanos e as liberdades individuais e coletivas.
Assim, neste contexto midiático de grandes manipulações de consciências, é imperioso ficarmos atentos para não sermos atraídos e seduzidos pelo “canto das sereias”. É preciso seguir o exemplo de Ulisses. Travessia.
* Benedito Antonio Luciano é professor Titular do Departamento de Engenharia Elétrica da UFCG.
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